segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

Não aconselharia meu filho a ser narrador, diz Everaldo Marques

Voltamos à atividade após um longo período e com algumas novidades. Além de textos opinativos (com personagens reais e fictícios), agora o Bacelardas terá entrevistas (nem sempre inéditas). Começamos com uma exclusiva (e inédita) feita com o narrador Everaldo Marques, dos canais ESPN. Nas próximas linhas, o leitor do blog vai descobrir um "Evê" até então desconhecido dos fãs de esportes.

Você sabia que ele começou narrando jogos da quarta divisão do Campeonato Paulista em uma rádio pirata? Sabia que mesmo apaixonado pela profissão não diria para o seu filho Guilherme seguir carreira? Sabia que após oito anos de Jovem Pan, saiu para se "arriscar" por um mês na Cultura depois de um desentendimento com Seu Tuta?

Caseiro, Everaldo diz que adaptou sua vida social para narrar os jogos de futebol americano - atividade para qual se prepara por oito horas à cada partida transmitida.

O narrador declara que não vê problemas em fazer propagandas durante as transmissões, porém respeita a política da empresa na qual trabalha. Questionado sobre seu time de coração, ele é taxativo: "Ninguém pergunta para a Miriam Leitão como ela investe o dinheiro. Por que eu preciso revelar para qual equipe eu torço? Os brasileiros infelizmente não respeitam e interpelam os jornalistas esportivos nos estádios."

Confira abaixo a entrevista completa:




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Everaldo Marques afirma que se diverte com o seu trabalho de narrador esportivo na TV e na rádio. No entanto, teme pelo futuro da profissão.

Pai do pequeno Guilherme, ele afirma que a carreira de narrador está desvalorizada. “Não sei como estaremos daqui a 20 anos. Não aconselharia meu filho a seguir os meus passos”.

Eclético, Everaldo se tornou a voz oficial dos esportes americanos no Brasil e narra mais de 20 modalidades esportivas desde outubro de 2005, quando entrou nos canais ESPN.

Antes de trabalhar nas grandes transmissões da NFL e da NBA (ligas de futebol americano e basquete, respectivamente), ele chegou a narrar jogos da Quarta Divisão do Campeonato Paulista em São Bernardo e arriscou ao assinar um contrato de um mês com a Cultura após oito anos de Jovem Pan, de onde saiu enfurecido com o Seu Tuta.


Quando decidiu ser narrador?

Costumo dizer que trabalho com o que sempre sonhei. Não queria ser médico, dentista, veterinário ou astronauta quando era criança. Eu queria ser narrador esportivo. A minha vida inteira pensei que poderia realizar meu sonho. Conduzi minha vida e meus estudos para alcançar o objetivo.

Há algum exemplo prático de como conduziu sua vida para se tornar narrador?

Trabalhei oito anos na Rádio Jovem Pan e quando percebi que não seria narrador, decidi sair. No terceiro colegial (terceiro ano do Ensino Médio), participei de um curso livre. Parte do módulo era justamente uma visita a um estúdio de rádio. No caso era da própria Jovem Pan. Então tive mais certeza do que realmente queria no momento em que coloquei o pé no estúdio.

Mas o encantamento por esse mundo radiofônico surgiu apenas no Ensino Médio?

Quando era criança no início da década de 80, eu ouvia bastante rádio. Futebol era um esporte de rádio. Não havia essa overdose de partidas na televisão e nem canais pagos que há hoje. A TV só transmitia as finais. Até o dia a dia dos clubes era transmitido pelas rádios. Eu nunca imaginei que fosse trabalhar em TV, embora também assistisse muito.

Como funcionava o curso que te colocou na Jovem Pan?

Entrei em 1996, semanas depois de completar 18 anos. O curso era ministrado pelo Flávio Prado, na Universidade São Judas Tadeu, aos sábados. Então quatro ou cinco alunos tinham o direito de ir aos estúdios da Jovem Pan. Sempre dava um jeito de participar do grupo de visitantes. De tanto frequentar a rádio, comecei a ajudar na produção do programa de futebol internacional “Jovem Pan no mundo da bola”, que era apresentando pelo próprio Flávio Prado. Não ganhava nada, mas era a oportunidade de botar a mão na massa e ter uma experiência além da faculdade.

Mas valia a pena trabalhar de graça simultaneamente com a faculdade?

A faculdade de jornalismo dá uma noção muito ruim de como funciona uma rádio de verdade. Principalmente na questão do timing. Você não tem tanto tempo para fechar um programa. Então quando comecei a trabalhar na produção do programa do Flávio Prado, não só entendi o funcionamento real como uma porta se abriu para mim.

Após o curso, qual foi o caminho percorrido até a sua contratação pela Jovem Pan?

Além do programa de futebol internacional, havia um de automobilismo logo na sequência comandado pelo Flávio Gomes. Ele não tinha produtor. Era uma grande correria para organizar, produzir e apresentar o programa sozinho. Ofereci ajuda gratuita novamente porque gosto muito de automobilismo Por três anos, passei quase meus sábados inteiros na Jovem Pan até me contratarem.

O que fez depois da contratação?

Antes mesmo de me contratarem, comecei a fazer boletins no programa do Flávio Prado , em julho de 1997, junto com as produções que eu já desempenhava. Era o responsável pelo balanço do Campeonato Espanhol.
Em 1999, eles me contratam definitivamente para trabalhar todos os dias. Antes eu só aparecia na rádio aos sábados. Então passei a produzir o “Jornal de Esportes”, que à época era apresentado pelo Milton Neves, no horário do almoço.
Fazia também os plantões esportivos. Era aquele cara que acompanhava os outros jogos da rodada e avisava quando saía um gol, além de ser o segundo âncora da casa. Até que em 2002, com a saída do Flávio Gomes, o seu Tuta (Antônio Augusto Amaral de Carvalho, presidente da Jovem Pan) me colocou nas reportagens de Fórmula 1. Acompanhei as corridas in loco até 2004.

Muitas pessoas gostariam de viajar para cobrir a F1, mas o seu sonho era ser narrador...


As pessoas na Jovem Pan sabiam que eu queria narrar. No próprio curso do Flávio Prado, eu já havia participado de alguns projetos pilotos de transmissão. Um rapaz que trabalhava na Jovem Pan tinha o contato de uma rádio comunitária (e pirata) de São Bernardo, a rádio Paraty. Liguei e me chamaram para transmitir um jogo no histórico Estádio 1° de Maio, em abril de 1998. Narrei apenas meia hora de partida, mas gostaram do meu trabalho e me convidaram para transmitir o clássico da cidade na semana seguinte: São Bernardo x Palestra.

Mas você já trabalhava na Jovem Pan. Como conciliou os dois trabalhos?


Trabalhava em São Bernardo apenas aos domingos. Até 1999 (quando foi contratado pela Jovem Pan), os meus domingos eram livres. O meu compromisso na Jovem Pan era aos sábados. Fiquei na Paraty por quase um ano. Nós transmitíamos os jogos da Quarta Divisão do Campeonato Paulista, handebol, vôlei...Inclusive, o time feminino de vôlei do São Bernardo era forte. Tinha a levantadora Fernanda Venturini. Sem falar nas transmissões das seletivas para os Jogos do Interior.

Como foi a transição de repórter de F1 para narrador profissional?


Surgiu um convite para fazer um freela nos Jogos Olímpicos de Antenas, em 2004, pela Bandsports. Só que seu Tuta não me liberou. Disse que não gostaria de ver um profissional da Jovem Pan trabalhar em um rival (no âmbito radiofônico, Bandeirantes e Jovem Pan são concorrentes diretos). Ele disse que se não fosse para o Grupo Bandeirantes me liberaria.

Ficou frustrado?

No momento fiquei triste, mas apareceu outra oportunidade antes mesmo de começar os Jogos Olímpicos. Era uma luta do Popó (ex-pugilista) que seria transmitida pela DirecTV. Falei com o seu Tuta de novo. Então ele me liberou e fiz o trabalho. Só que dois dias depois do combate, eu fui pegar minhas coisas na rádio para viajar à Hungria e cobrir a F1. O rapaz do RH disse que não havia nada separado para mim. Afirmou que o dono da Jovem Pan havia cancelado a viagem.

Qual foi sua reação?

Fui conversar com seu Tuta para saber o que tinha acontecido. Ele disse para mim: “Você não quer fazer televisão? Então vai fazer televisão no quinto dos infernos. Aqui você não faz mais F1. Coloquei outra pessoa em seu lugar. Se quiser continuar na rádio, pode ficar. Mas se não quiser, pode ir embora”. Perguntei se estava me punindo por algo que havia me autorizado fazer. Ele disse que sim. “A rádio é minha e sou eu que decido”. Na hora, eu engoli o jabuti com casca e tudo. Tive vontade de mandar o seu Tuta...ficar com a rádio dele, mas tinha família para sustentar e resolvi ficar. Continuei trabalhando como produtor e segundo comentarista de F1 nos estúdios.

Mas a situação ficou insustentável?

Depois do episódio, eu sabia que deveria sair da Jovem Pan. Conversando com várias pessoas, soube que a Cultura havia adquirido os direitos de transmissão da Copa São Paulo de Futebol Júnior. Fiz o teste e passei, mas o contrato era de apenas um mês. Mesmo assim aceitei e pedi demissão da Jovem no dia 7 de dezembro de 2004. Pensei que poderia pegar as fitas das transmissões da competição e bater de porta em porta: no Sportv, na ESPN, no Bandsports... Mas a Cultura comprou outros torneios e meu contrato foi estendido até o fim de 2005.

Então largou a rádio de vez até ser contratado pela ESPN (que possui um projeto radiofônico desde 2007)?

Em paralelo ao trabalho na Cultura, em março de 2005, a (rádio) 105 FM montou uma equipe de esportes que existe até hoje. Lélio Teixeira e Eder Lima me chamaram para ajudá-los na montagem. Nós entramos no ar em abril e eu era o narrador titular, além de ser o responsável pelas vinhetas. Coloquei a mão na massa para fazer a rádio funcionar. Então fiquei na 105 e na Cultura, ao mesmo tempo, sem problemas nenhum. Dava para administrar até porque na rádio eu era um dos chefes. Só que a prioridade era a TV.

E como surgiu a ESPN na sua vida?


A ESPN Internacional passaria a transmitir os jogos dos estúdios no Brasil. O (José, ex-diretor de jornalismo dos canais ESPN) Trajano me ligou porque estava precisando de narradores. Ele perguntou se eu entendia de futebol americano e basquete. Respondi que acompanhava como fã, mas que poderia me aprofundar no assunto. Então fechamos um pacote, pois já havia uma ideia de montar a rádio. O projeto radiofônico só se concretizou em 2007. Estreei em outubro de 2005 narrando Holanda x República Tcheca pelas Eliminatórias da Copa do Mundo de 2006, deixando a Cultura e a 105 FM.

Qual é o esporte que mais sente prazer em narrar?


As pessoas me identificam bastante com o futebol americano. Mas sou brasileiro e gosto muito de futebol também. O único esporte que pratiquei razoavelmente foi o vôlei. Aqui não temos muitas transmissões de vôlei, mas tive a oportunidade de narrar nos Jogos Olímpicos de Londres. Teve aquele jogo maluco das brasileiras contra as russas. Foram seis match points para a Rússia e o Brasil conseguiu virar. Fui até o fim com o time feminino e transmiti o ouro. Foi uma experiência bacana.

Quais foram os momentos mais marcantes que você narrou?


Cada esporte tem o seu momento. No futebol americano foram as finais (Super Bowl) que narrei in loco. O Super Bowl 44 foi especial porque teve o retorno para história. Um dos maiores quarterbacks (principal jogador de um time do futebol americano) de todos os tempos, Peyton Manning, teve o lançamento interceptado e seu time na época, o Indianapolis Colts, perdeu para o New Orleans Saints. E havia toda uma comoção em Nova Orleans por causa do furacão Katrina que devastou a cidade em 2005.

E nos outros esportes?


Na NBA, eu me lembro do jogo número seis da decisão da penúltima temporada, quando o Ray Allen (jogador do Miami Heat) acertou uma cesta de três pontos no finalzinho. Aquele lance foi fundamental para a conquista da equipe. Agora no futebol são duas partidas. Na TV, a mais legal foi Uruguai x Gana. Foi o único duelo que narrei in loco na Copa do Mundo de 2010 e entrou para a história por tudo o que aconteceu (Gana perdeu um pênalti no último minuto da prorrogação e o Uruguai se classificou nas penalidades). Na rádio, teve o Corinthians x Vasco na Libertadores de 2012. O gol do Paulinho e o grito de “Vai, Corinthians!” foi um marco. Muitas pessoas me identificam por causa dessa narração. Mas o “vai” não surgiu naquela noite e nem por causa do Corinthians. Já havia utilizado em outros confrontos anteriores.

Depois de trabalhar como repórter de F1, você teve a oportunidade de narrar...


Foi muito prazeroso narrar duas temporadas de F1, principalmente no Brasil. Porque nós temos a oportunidade de ir ao autódromo de Interlagos. Sem falar que as curvas do circuito paulistano têm nomes, o que é difícil em outros países.

Quais são seus ídolos profissionais?


Por ouvir muito rádio em casa, gostava de escutar Osmar Santos, José Silvério, Oscar Ulisses, Paulo Soares, Luís Roberto, Fiori Gigliotti... São os caras que eu cresci ouvindo. Minha mãe também ouvia outros comunicadores populares. Até porque escutávamos mais rádio do que víamos televisão.

Além dos narradores esportivos, há outras inspirações?


Nomes como Eli Côrrea, Zé Bettio, Gil Gomes, Paulo Barbosa e Paulo Lopes fazem parte do meu imaginário desde criança. Minha mãe me acordava às 6h com o (programa) “Pulo do Gato”, do Zé Paulo Andrade. Era um miado que acordava todo mundo. Ele dizia que não era para virar do lado e eu acordava xingando (risos).

Hoje você é conhecido por causa da TV. Não há nenhuma referência no meio televisivo?


Assistia ao “Show do Esporte” que passava na TV Bandeirantes aos domingos. Era o dia inteiro vendo os mais diversos tipos de esporte. Sem saber aquilo virou um laboratório para mim. Quando comecei a narrar na TV, eu buscava na minha memória de infância aquelas transmissões. Eu gostava das narrações de vôlei do Marco Antônio, por exemplo. Claro que não usaria as expressões dele como “afunda” ou “Gilsão, mão de pilão”, mas a maneira que ele descrevia o andamento das jogadas me agradava muito. A partir da equipe que transmitia esporte na Band, criei meu próprio estilo.

Você diz que se diverte com o trabalho. Recomendaria a profissão de narrador para seu filho?


Não. A carreira está muito desvalorizada. Tem narrador regional que ganha R$ 400 por jogo e trabalha em quatro transmissões por mês. Como consegue se sustentar? Acho natural que meu filho tenha curiosidade em pelo menos conhecer o mercado, já que é uma profissão pública. Na verdade, eu não quero influenciar a decisão dele. Não vou forçar nada.

3 comentários:

Unknown disse...

Parabéns!!! Amei!!!

Caroline Caputo disse...

Arrasou baabe!! :D

Anônimo disse...

Sugiro trocar a cor de fundo por branco, não da para ler no fundo preto.