quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

"Jornalismo está carente de boas histórias"

Quando resolvi resgatar o blog, não tinha a intenção de angariar muitos leitores. Sei que é complicado até para os meus amigos acompanharem as postagens (por mais que não sejam muitas).

Eu decidi voltar com o Bacelardas pelo simples prazer de contar histórias. Desde o retorno, já exibi uma longa entrevista com o narrador Everaldo Marques, que acabou de transmitir mais um SuperBowl pelos canais ESPN.

Também mostrei parte de uma conversa agradável (e bastante construtiva) com os jornalistas Alexandre de Paulo e Paulo Manso sobre as dificuldades enfrentadas pelo povo haitiano. A outra metade postarei em breve --é um pouco trabalhoso carregar o vídeo no YouTube e o tempo é escasso.

E agora tenho o prazer de publicar o primeiro trecho de uma entrevista com a jornalista Adriana Farias.

Com 26 anos (a minha idade também), Adriana resume em algumas linhas o que eu também penso sobre o jornalismo.

"Acho que o jornalismo está carente de boas histórias no geral, aquelas que não se encontram por meio de releases, mas sim gastando muita sola de sapato. Tendo sensibilidade para escutar as pessoas, sabendo como uma pontinha do iceberg pode esconder no fundo do mar uma grande história".

Com este olhar inquieto, ela já escreveu um livro, London Calling - histórias de brasileiros em Londres, e produziu talvez uma das melhores matérias de 2014: sobre a jovem Loemy, que saiu de Mato Grosso para tentar a carreira de modelo em São Paulo, mas parou na Cracolândia.

A história foi contada na revista Veja São Paulo e repercutida em vários veículos de comunicação. Por questões jornalísticas, não falamos muito sobre o caso Loemy.

Porém, por outro lado, abordamos muito a produção do livro e a viagem a Londres que originou o trabalho.

Inclusive, Adriana diz como chegou a Alex, primo de Jean Charles, o brasileiro morto por engano pela polícia britânica em 2005.


Por que decidiu fazer o intercâmbio?

Fiz o intercâmbio em novembro de 2010 e retornei em março de 2011. Decidir fazer o intercâmbio para aprimorar o meu inglês já que na época eu trabalhava com jornalismo cultural na PlayTV e sempre rolava entrevistas com bandas gringas. Além disso, sempre morri de vontade de passar por essa experiência transformadora de conhecer pessoas e culturas diferentes. Nada como fazer isso em Londres, o berço da música, onde efervesceu o punk, local que congrega dezenas de nacionalidades.

Como o intercâmbio auxiliou na sua carreira jornalística (fora o aprendizado do inglês)?


A experiência foi tão transformadora que eu acabei lançando um livro-reportagem (London Calling - histórias de brasileiros em Londres) em agosto de 2012. Não são simplesmente relatos de pessoas que se mudaram para lá para fazer um pé de meia ou coisa do tipo, mas histórias de busca por transformações pessoais. Uma delas é de uma executiva de quase 40 anos que largou um alto salário em uma empresa onde trabalhou por dez anos para se permitir uma mudança, uma aventura, algo que as pessoas viviam jogando na cara dela que só valia para quem era novinho, nos 20 e poucos anos.

Quando e por que decidiu escrever o livro? Quais portas o livro te abriu?

Como eu fui para Londres com olhar de jornalista eu já estava registrando tudo, guardando os contatos, relatos, mas voltei sem nenhuma pretensão de fazer um livro. Retornei ao Brasil com uma oportunidade de trabalho na RedeTV! e nem imaginava fazer nada do tipo e, sim, me dedicar ao trabalho.

Porém, quando fui iniciar o meu TCC (trabalho de conclusão de curso) na PUC-SP me veio a ideia de unir a experiencia viva, intensa, profunda de Londres em um livro-reportagem. Consultei meu professor, retomei todos os contatos, refiz entrevistas, compilei dados e acabou dando muito certo.

Tirei nota 10. Esse TCC foi apresentado em 2011 e o repaginei para transformá-lo em um livro comerciável. Ele foi lançado em agosto de 2012 pela editora Giostri, que acreditou no projeto.

O livro lançado foi um grande portfólio já que eu havia me formado há pouco tempo. Quando sai da RedeTV! em meados de 2012 e participei de um processo seletivo na TV Cultura e, no mês seguinte, na Folha de S.Paulo, com a proximidade do lançamento, tenho certeza que foi um ponto super positivo no momento que os dois veículos decidiram me chamar para as vagas.

O que mais te chamou atenção em Londres? E na produção do livro? Há alguma curiosidade sobre a obra (na apuração ou até mesmo na escrita)?

Acho que o mais interessante mesmo foi sair pelas ruas e escutar italianos, espanhóis, chilenos, coreanos, japoneses, iranianos ou sudaneses falando inglês e/ou seus próprios idiomas. Era uma diversidade cultural incrível que me contagiava. Eu estava na capital do mundo. Sem contar a parte cultural da cidade, como eu disse anteriormente. A região de Camden Town é uma Galeria do Rock a céu aberto. O número de pubs e bandas independentes tocando em cada esquina era uma delícia também.


O que mais me chamou atenção durante a produção do livro, além das oportunidades de mudanças que as pessoas estavam se permitindo, foi a oportunidade de viajar para o interior de Minas Gerais para recontar a história de Jean Charles, o brasileiro morto no metrô de Londres, por meio também da história de Alex Pereira, o primo dele.

Durante a produção do livro explodiu na mídia aquele escândalo de grampos telefônicos do News of The World, tabloide do empresário Rupert Murdoch. Uma das pessoas que haviam sido grampeadas foi justamente o Alex.

Tudo que eu encontrava sobre ele na mídia brasileira era superficial, mas o suficiente para saber que ele tinha muita história para contar e ninguém soube explorar isso. Na época, a mídia estava na loucura para ter o caso do Jean e se esqueceram do Alex, que foi um homem muito importante e peça fundamental nessa história toda. Ele lutou contra gigantes para provar a inocência do primo.

Acha que o jornalismo brasileiro está carente de histórias como as retratadas no livro?


Acho que o jornalismo está carente de boas histórias no geral, aquelas que não se encontram por meio de releases, mas sim gastando muita sola de sapato. Tendo sensibilidade para escutar as pessoas, sabendo como uma pontinha do iceberg pode esconder no fundo do mar uma grande história.

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